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A mídia e a cobertura de temas relacionados aos Direitos Humanos

Atualizado: 27 de ago. de 2024

Profissionais da comunicação discutem como o jornalismo e a contextualização das notícias podem fortalecer a cidadania


Por Portal Ethos



No domingo, 25 de agosto de 2024, estreia um novo programa na TV Record, o “Domingo Record”, que vai ser comandado pela jornalista Rachel Sheherazade. O lançamento acontecerá após um adiamento, decorrente da morte do ex-patrão de Sheherazade, o fundador do SBT, e apresentador Sílvio Santos. A aposta da emissora é investir no infotenimento jornalístico, que mistura entretenimento com informação. 


Rachel, além de jornalista, é uma personalidade midiática em destaque. Com sua passagem pelo reality show “A Fazenda”, em 2023, Sheherazade acumulou uma legião de fãs online. No entanto, a postura polêmica da apresentadora gerou discussão nas redes sociais sobre a relação entre jornalismo e direitos humanos.


“Só eu acho surreal a R*chel Shehez*de ganhar um programa jornalístico só dela na Record sendo que 10 anos atrás ela incitou linchamento público de um jovem negro no SBT?” comenta a usuária @electralino, na rede social “X” (antigo Twitter). 

“Me incomoda mais esse ar de respaldo que estão atribuindo ao programa pela presença dela, como se respeitar humanidade fosse opcional pra ser jornalista. Ela já disse recente que não se arrependeu do que disse” diz a internauta @thirlwalisa em resposta à postagem anterior. 


Os internautas se referem a um episódio de 2014. Na época, Sheherazade trabalhava como âncora do principal jornal do SBT. Ao cobrir o caso de um adolescente negro infrator, que foi espancado e amarrado a um poste, a apresentadora descreveu a ação dos linchadores como “compreensível”  e invocou o direito de legítima defesa dos “cidadãos de bem” diante da omissão do estado. “Aos defensores dos Direitos Humanos que se apiedaram do marginalzinho preso ao poste, eu lanço uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido!", opinou a jornalista ao final da veiculação do vídeo. 


Em 2021, em entrevista a Thais Oyama para o portal UOL, Rachel Sheherazade disse não se arrepender de nenhuma palavra dita, visto que a justiça a amparou e foi concluído que não houve incitação ao crime ou violência. “Subestimei a capacidade de entendimento dos meus colegas jornalistas”, disse ela. 


De acordo com os incisos I e XI do Art. 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é dever do jornalista: I - Opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios expressos na Declaração Universal dos Direitos Humanos; XI - Defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias. Entretanto, embora o código de ética estabeleça tal conduta, o discurso proferido por Sheherazade desassocia o jornalismo do seu caráter social e provoca um sentimento comum na sociedade, de que os direitos humanos são direitos para bandidos. 


O professor e mestre em Comunicação Social, Andrew Costa, afirma que existe um discurso falacioso que aponta os direitos humanos como um meio para proteger bandidos, e não como direitos que servem a todas as pessoas. “Há um senso comum que acredita que, quando alguém comete um crime, a punição é a melhor forma de evitar que esse crime aconteça novamente. Principalmente se essa punição puder violar direitos humanos e implicar o máximo de sofrimento possível ao sujeito criminoso”, explica o professor.



Professor e Mestre em Comunicação Andrew Costa - Foto: Programa Reduzir para Somar


Com a popularização do termo, os direitos humanos se tornaram algo que todos discutem, mas muito pouco se sabe. “Além do conceito distorcido, há uma grande falta de conhecimento e entendimento do que realmente significam os direitos humanos. E isso não é uma característica apenas da sociedade brasileira, mas de diversas parcelas de sociedades ao redor do mundo”, elucida o jornalista, pesquisador, professor e Doutor em Comunicação, Vinícius Pedreira Barbosa, que também é integrante do grupo de pesquisa Jornalismo e a Construção Narrativa da História do Presente na Universidade Federal de Brasília - UNB. 


Sobre a construção dos direitos humanos, Vinícius esclareceu que “Direitos humanos são fruto de uma construção histórica – permeadas por lutas e conquistas sociais – com os objetivos de produzir condições mínimas dos seres humanos para sua sobrevivência, dignidade e crescimento em ambientes de respeito e paz, igualdade e liberdade, isso sem discriminações culturais-étnicas ou sociais. É um constante processo construtivo para garantir esses valores a todos”.


Cobertura Jornalística


Segundo o professor Andrew Costa, hegemonia refere-se ao domínio cultural e ideológico de um grupo social sobre outros, a ponto de suas ideias e valores serem aceitos como naturais ou normais pela sociedade em geral. “A mídia e o jornalismo são instrumentos poderosos na construção e manutenção dessa hegemonia. Por meio da repetição de certas narrativas, da escolha de fontes e da forma como as informações são enquadradas, a mídia pode legitimar ou desafiar a hegemonia existente”, explica Andrew Costa.


A cobertura jornalística, além de mostrar o cotidiano da sociedade, tem o papel social de garantir o direito à informação, mas de forma responsável, estabelecendo uma narrativa que respeite a diversidade e o direito de todas as pessoas.


A jornalista amapaense Laura Machado observa que a cobertura jornalística reflete as questões latentes de uma determinada localidade. Laura, atualmente, é repórter do portal ND+ em Florianópolis-SC. “Aqui uma grande questão é a da população em situação de rua, é um estado conservador e existe um preconceito normalizado, é cultural não ajudar, não dar esmola, internar compulsoriamente. As notícias refletem isso, sempre colocando essas pessoas numa posição criminosa, nunca humanizada,” exemplifica. 

Jornalista Laura Machado - Foto: Arquivo pessoal

Laura critica os jornais chamados policialescos: “é comum que os direitos humanos sejam violados o tempo inteiro, isso é transmitido 24h na sua televisão. Quando você expõe uma pessoa morta, em condições violentas, porque ela supostamente cometeu um crime e foi linchada pela população, você está ferindo os direitos humanos. Um jornalista ao chamar um suspeito de criminoso na sua matéria, está imputando um crime pelo qual ele não foi julgado, está fazendo papel de juíz” aponta a repórter. 


Uma cobertura jornalística eficaz também serve para educar e informar o público sobre seus direitos. Muitas vezes, a falta de conhecimento sobre direitos humanos e mecanismos de proteção pode perpetuar injustiças e desigualdades. Reportagens que elucidam questões relacionadas aos direitos humanos, leis e políticas são fundamentais para a superação desses equívocos.


“Costumo dizer que a comunicação e o jornalismo têm na linguagem um dos seus potenciais transformadores da sociedade – digo potencial porque a sociedade não vai se transformar sozinha apenas com o jornalismo/ a comunicação, mas eles podem ser aliados nos processos históricos de mudanças. Dessa forma, a escolha de determinada palavra ou enquadramento pode ajudar na reprodução de preconceitos e estereótipos, assim como – paradoxalmente – na desconstrução desses mesmos preconceitos e estereótipos. A maneira como as narrativas são construídas, portanto, vão dar o tom de como o público pode perceber melhor o que são os direitos humanos”, diz Vinicius Pedreira Barbosa. No entanto, a prática do jornalismo voltada para os direitos humanos não é isenta de desafios. Em muitos contextos, jornalistas enfrentam ameaças, censura e repressão ao investigar e reportar sobre questões sensíveis.


A diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Catarina Barbosa, defende a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa dos jornalistas.

“Penso que o jornalismo é fundamental e indispensável para a defesa da democracia e defendo um jornalismo diverso, plural e contra-hegemônico. A ABRAJI defende a liberdade de expressão, a transparência nos negócios públicos e o direito de acesso às informações públicas. Então, acredito que a cobertura existe e que jornalistas e organizações lutam para que ela seja efetiva, porque em muitos casos estamos lutando para defender preceitos básicos da nossa profissão”, explica Catarina.


Catarina Barbosa em apresentação - Foto: Arquivo pessoal


Direitos Humanos


Declaração Universal dos Direitos Humanos


Após o término da Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre 1939 e 1945, a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu a importância de estabelecer um consenso universal para assegurar que todas as pessoas pudessem viver dignamente. Deste consenso, surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proclamada em 10 de dezembro de 1948.


O documento é composto por 30 artigos que definiram e consolidaram um conjunto de valores fundamentais e universais, sendo considerado um marco na garantia de direitos básicos, abordando aspectos sociais, culturais, civis, políticos e econômicos. 


A partir da Declaração Universal, uma rede global de políticas de direitos humanos foi estabelecida, inspirando normas, constituições e legislações nacionais. No Brasil, o documento foi incorporado na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, que estabelece no artigo 1° que  “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana”. Entretanto, embora a dignidade humana seja considerada um  fundamento do Estado brasileiro e existam diversos acordos internacionais que apontam os direitos humanos como fundamentais, muitas pessoas ainda sofrem com violações de direitos. 


“Direitos humanos estão intrinsecamente ligados a qualquer tipo de pessoa, tenha ela cometido crime ou não. Pelo simples fato de existirem, as pessoas têm direitos como o direito à saúde, à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer, à moradia, ao transporte, aos direitos trabalhistas. Inclusive, há também o direito de não ser escravizado, de acordo com a Declaração dos Direitos Humanos da ONU. Percebe-se, portanto, que os direitos humanos dizem respeito aos direitos básicos das pessoas, em busca de sociedades mais justas, solidárias e igualitárias“, afirmou Vinícius.


Dia Nacional dos Direitos Humanos


Com o Brasil diante de uma Ditadura Militar, o conceito “direitos humanos” elaborado pelas Nações Unidas era somente isso, um conceito entre aspas. Todo esse período foi marcado pela reivindicação dos movimentos sociais por direitos coletivos e pela forte repreensão dos poderes a essas movimentações. 


No dia 12 de agosto de 1983, a líder sindical Margarida Maria Alves foi assassinada a mando de latifundiários. Margarida foi uma das primeiras mulheres a liderar um sindicato no Brasil, o de Alagoa Grande no interior da Paraíba, local de seu nascimento e morte.


Em sua homenagem, foi criada a “Marcha das Margaridas”, maior movimento de trabalhadoras da América Latina, que reivindica os direitos das mulheres trabalhadoras rurais. A marcha é realizada sempre em agosto, com intuito de manter viva a memória e ativismo de Margarida no mês do seu assassinato. 


Três meses antes de ser morta, a sindicalista fez seu famoso discurso do Dia do Trabalhador onde afirmou: “é melhor morrer na luta do que morrer de fome”. Embora seu assassinato tenha sido uma tentativa de silenciamento, o legado da sindicalista foi imortalizado por tudo realizado em vida e pela revolta com sua morte. Em 2012, 12 de agosto foi instituído como Dia Nacional dos Direitos Humanos em homenagem à Margarida Maria Alves.




 
 
 

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